A Análise
Portugal 'à deriva'. Quem nos acode?
Esta democracia não resiste a esta economia. Sem resposta eficaz para o presente afundamento económico, a actual democracia acabará por ser substituída.
Vivemos, em geral, sob a ‘ditadura’ do curto prazo. Também nos domínios económico, financeiro e social, estamos circunscritos ao ‘trimestre’. O método que se usa é fácil e bem acolhido porque consente todas as interpretações e, por isso, a todos serve. Mas tem um grave efeito redutor porque os portugueses ficam sem saber como estão e para onde os levam. Têm hoje uma visão que não passa do dia seguinte.
Os consequentes custos políticos são enormes, porque se cuida sempre e só da conjuntura, omite-se as análises e as indispensáveis soluções estruturais.
Trata-se de uma prática que explica, em grande parte, o afundamento incessante do nosso País. Com ela não ocorrerá qualquer mudança, de fundo e indispensável, porque as verdadeiras soluções são sempre desconhecidas. Temos os factos a demonstrá-lo: entram e saem governos, partidos e políticos, anos sucedem-se a outros anos, mas o agravamento da economia, das finanças e do ‘social’ é uma constante.
Baseados nestas análises, meramente conjunturais e com falta de entendimento das tendências da globalização, há os que pensam num destino português sempre ‘pendurado’ em alguém (África, Índia, Brasil e União Europeia): e assim se escusam de quaisquer preocupações, embora nunca identifiquem quem e por que estará disposto a ‘carregar’ connosco, já em 2015-2020.
"O optimismo é hoje uma pura mistificação" (como bem sublinha Vasco Pulido Valente) mas, mesmo assim, ainda há ‘optimistas’ por aí! Do outro lado estão os chamados ‘pessimistas’: aqueles que tentam ver mais longe e mais fundo, defendem a dignidade do País, exigem responsabilidades e não crêem que tenhamos o direito de transformá-lo no mendigo da Europa.
Os nossos graves e visíveis desequilíbrios financeiros com inevitáveis efeitos sociais só podem ser enfrentados pela drástica redução das despesas e/ou pelo rápido crescimento da economia.
O ataque às despesas públicas é, de há muito, um completo fracasso, tentado por todos os governos. Estes saem e tudo fica pior.
Duas razões o explicam: a primeira é a quase estagnação da nossa economia (0,8% anuais, entre 2000 e 2008); a segunda é a natureza das despesas que mais pesam nas contas públicas e que são as do ‘pessoal’ e as das ‘prestações sociais’. Muito rígidas, correspondiam já a cerca de 78% da despesa primária (total menos juros), em 2008.
Quem é beneficiário destes pagamentos?
São 700 000 funcionários, cerca de 3 400 000 reformados, perto de 350 000 titulares do RSI, uns 300 000 desempregados e outros centos de milhares de subsidiados diversos, num total superior a 6 milhões de indivíduos.
Isto é: temos estes 60 a 70% de eleitores inscritos, que são militantes atentos e empenhados do ‘Partido do Estado’!
Quem vai ‘tocar-lhes’, num prazo que ainda possa ser útil?
É muito pequeno o mercado interno português e, por isso, só através das exportações e da substituição de importações poderemos registar crescimentos significativos da economia e do emprego. Ocorre que o contributo das exportações para a nossa economia tem sido muito pequeno: 32-33% do PIB, em média, desde há muitos anos.
Temos, portanto, uma decisiva prioridade: alargar, suficiente, urgente e competitivamente, o nosso tecido produtivo.
Não exportaremos muito mais desde que não produzamos competitivamente.
Porque só agora se dá, preocupadamente, por isso?
Com o escudo, disfarçámos facilmente esta nossa tradicional debilidade porque, quando se perdia, perigosamente, competitividade, desvalorizava-se a moeda e, em alguns meses, restabelecia-se um certo equilíbrio.
Agora, com o euro, nada disso é possível.
O quadro é este: competimos mal e exportamos pouco; não temos moeda própria e não podemos corrigir facilmente a situação; a economia cresce devagar, o desemprego sobe, os défices externos são dos mais altos do mundo e o endividamento é insustentável.
Numa palavra: estamos ‘encurralados’.
O panorama dos últimos dez anos é muito sombrio e, sobre ele, os partidos não se pronunciam, clara e autonomamente, não analisam com rigor os factos e não alvitram quaisquer soluções à altura das necessidades.
Não se compreende este alheamento, mas é um facto.
E, porque estamos no domínio da política, tem de perguntar-se o que tem o Estado a fazer, sendo certo que há matérias em que só ele pode e deve fazer.
Duas coisas, a meu ver: primeiro, averiguar com cuidado por que há investidores interessados na Hungria, na Polónia, na República Checa, na Eslovénia ou na Eslováquia, e não querem vir para Portugal, havendo mesmo os que daqui se ‘deslocalizam’; segundo, com base nessa análise, apresentar ao País uma proposta das reformas necessárias para criar vantagens comparativas nas opções respeitantes aos investimentos para as exportações/substituição de importações.
É certo haver áreas públicas relevantes e que pesam nas opções dos investidores: leis do trabalho, impostos e taxas, tribunais, especialização da mão-de-obra, burocracia, nível da corrupção, mercado do arrendamento, custos energéticos e das telecomunicações, secretismo dos PIN, benefícios atribuídos casuisticamente e sem controlo, etc.
Hoje, porém, ninguém sabe em que medida, de modo seguro, sistemático e inequívoco, se foge, cada vez mais, de investir em Portugal para se investir no Leste europeu.
Podemos todos ‘achar’ que sabemos – como é usual entre nós! – mas sem as indispensáveis certezas que fundamentem políticas eficazes.
Vale a pena recordar que o melhor período da nossa economia, no século passado, se deveu, em especial, à entrada para a EFTA e ao estatuto privilegiado contido no Anexo G. As vantagens comparativas então conseguidas atraíram para Portugal numerosas e decisivas indústrias, hoje em incontida debandada.
Em função das novas circunstâncias, impõe-se-nos agora criar vantagens comparativas, afeiçoadas às realidades internacionais presentes.
Se o eleitorado aprovasse as propostas apresentadas para o efeito, qualquer Governo teria legitimidade democrática para executá-las.
Se as rejeitasse, assumiria democraticamente a responsabilidade pelas consequências do marasmo económico, isto é, o elevado desemprego, os baixos salários, as prestações sociais exíguas, a pobreza crescente, as desigualdades, o endividamento e o temor do futuro.
Na verdade, é legítimo que um povo opte pela pobreza, desde que compreenda bem o sentido e as consequências do que vota.
Não como nos encontramos hoje: com uma caricatura de democracia, baseada no engano das gentes e na estreiteza das competências, os portugueses arrastam-se ‘às cegas’ para um desastre, que não é desejado, nem pressentido.
É que não basta aos governos realizar algumas coisas positivas, o que com todos sempre acontece: porque, se faltar ‘a’ obra essencial, tudo será em vão.
Há momentos históricos dependentes, decisivamente, de um só ‘pormenor’
O Estado Novo naufragou por falta de solução para as guerras coloniais; sem resposta eficaz para o presente afundamento económico, a actual democracia mergulhará o nosso País numa confusão financeira e social, de efeitos dificilmente previsíveis, e acabará por ser substituída. Provavelmente, entre 2015 e 2020.
As eleições que estão à vista serão decisivas, neste contexto de acelerada decadência: o ataque frontal às fragilidades da economia é hoje ‘o’ verdadeiro problema de Portugal, o que importa relevar vivamente.
Porque, se não houver uma proposta política que o contemple, nem a identificação prévia da gente, competente e séria, que irá concretizá-la, não teremos cura que chegue para a questão económica.
Mostram-se o PS e o PSD à altura destas necessidades prementes do País?
Se forem o mesmo PS, que leva agora onze em catorze anos de Governo, e o mesmo PSD, que soma três, as minhas preocupações atingirão o grau do ‘pavor’.
Pede-se-lhes, por isso, três coisas apenas: primeira, um pequeno programa, claro e curto, e não, como usualmente, uma ‘apólice’ de seguro para enganar os eleitores, que contemple só as medidas indispensáveis para atingir os objectivos económicos enunciados; segundo, a indicação dos nomes previstos para as Finanças, a Economia, a Justiça, a Educação e a Segurança Social, garantes da sua execução, já que os ‘partidos’, em si mesmos, não gozam da confiança da maioria dos portugueses; e, terceiro, que restaurem a ética na política.
Só assim me parece que haverá condições para iniciar um processo de reconstrução, porque legitimado pelo voto esclarecido e responsável de uma maioria.
Qualquer maioria?
Absoluta de um partido, não: os estragos irreparáveis já produzidos em Portugal, nestes quatro anos, dos quais Sócrates nem sequer tem consciência, constituem uma duríssima e inesquecível lição.
Maioria relativa, sim, se apoiada no tal programa, em tais personalidades e em nome de valores éticos.
O que verdadeiramente espero?
Que o PS e o PSD se compenetrem de que vivemos num tempo histórico, muito arriscado, incerto e ameaçador: se falharem, mais uma vez em quase duas décadas, acabará por ser varrida a partidocracia que ergueram e comandam em Portugal.
Medina Carreira, Ex-ministro das Finanças
in correio da manhã, 30 agosto 2009
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